Há um tipo de dor que surge quando o carinho se mistura com a ideia de desempenho. É quando o amor que recebemos parece sempre condicionado ao que damos, à energia que dispomos e à utilidade que temos na vida do outro. Nossa mente acaba acreditando que ser gentil depende de estarmos sempre bem, de sermos fortes, ou de termos algo a oferecer. E assim, o cuidar vira um fardo e o relacionamento, uma performance.
Essa confusão entre valor e utilidade costuma começar cedo, quando o olhar de aprovação só aparece diante do brilho e se afasta na presença da sombra. Nos ensinam a ser sol quando se espera calor e a esconder a tempestade para não desagradar. O medo da rejeição gera um reflexo silencioso: precisamos sempre dar mais, sentir menos e nos ocupamos em salvar os outros para não precisarmos ser salvos.
Nos relacionamentos, esse padrão se manifesta como um cansaço emocional. A pessoa que assume o papel de cuidadora acaba se apagando para ser aceita, e sua presença só vale quando traz luz. Quando o desgaste chega, quando vem o silêncio, percebemos que quase ninguém ficou para acolher o que há por trás dessa entrega. E é nesse momento que surge a pergunta mais difícil: existe amor quando não há função? A verdade é que o amor que exige utilidade constante não é amor, mas sim dependência emocional disfarçada de admiração. O cuidado verdadeiro não precisa ser comprado com esforço. Ele reconhece o outro mesmo quando esse outro se retrai, mesmo sem brilho. É nessa aceitação que a paz emocional começa a surgir, pois ela não precisa provar seu valor nem teme a ausência.
Ser digno de amor não vem de ser útil, generoso ou encantador. É um estado que vem antes disso tudo. O valor não se mede pela capacidade de curar ou agradar, mas pela simples existência. Quando essa verdade se estabelece, o amor deixa de ser uma tarefa e se transforma em abrigo.
17 outubro 2025
Sobre ser digno de ser amado
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