17 outubro 2025

Sobre humilhação disfarçada de amor

    O amor não é e não deve ser uma batalha de resistência emocional. Quando a reciprocidade desaparece, o que sobra não é um vínculo, mas um teatro. Tentar convencer alguém a amar é um ritual de autossabotagem disfarçado de esperança. É como enviar currículos emocionais para quem nunca te considerou para a vaga. Nesse cenário, o coração deixa de ser um lar e se transforma em um departamento de marketing, aprendendo a se vender, a justificar a própria existência e a implorar por um espaço que deveria ser espontâneo.
    A romantização da indiferença vem do trauma. Desde muito cedo, muitos aprenderam que o amor está sempre acompanhado da falta, que o afeto tem que ser conquistado e que a ausência é um sinal de valorização. O olhar que demora a chegar é confundido com profundidade, o silêncio se torna mistério, e a rejeição é disfarçada de intensidade. O desinteresse, que deveria afastar, passa a seduzir. A mente viciada em incerteza chama a ansiedade de paixão e confunde a estabilidade com tédio. Para quem cresceu acreditando que amar é sofrer, o amor saudável parece simples demais. Esse ciclo se repete porque o ego quer provar que pode ser escolhido por quem não escolhe. O desejo deixa de ser um encontro e se transforma em um desafio. A indiferença do outro alimenta o desejo de reparação, e o amor se torna uma luta por validação. A reciprocidade, que deveria ser o início, se transforma em um prêmio inalcançável. Quanto mais distante o outro está, mais intenso parece o sentimento. A mente confunde a ausência com valor, transformando o desinteresse em um mito romântico.
    O problema é que não há profundidade em quem não fica. Amar não é decifrar enigmas ou resolver charadas emocionais. A ideia de que o vínculo precisa ser difícil para ser verdadeiro é apenas uma nostalgia do sofrimento. Aqueles que chamam de “complicado” o que é apenas desinteresse estão tentando justificar a própria esperança. O amor não precisa de manuais, códigos ou mistério. Ele é claro, estável e visível. A presença é constante, o afeto é recíproco, e o silêncio nunca é uma estratégia.
    O mito do “potencial” é outro disfarce do apego. É o desejo de amar o que ainda não existe, de se apaixonar pela promessa de mudança. É a fantasia de que a dedicação pode transformar o outro em algo melhor. O coração insiste, não porque acredita, mas por medo de desistir. Amar o “potencial” é viver no futuro, esperando que o presente se torne suficiente. Enquanto o outro “melhora”, o tempo passa, e a alma se esgota. O que deveria ser amor acaba se tornando um projeto, e o que deveria ser parceria se transforma em penitência. No fundo, tudo isso revela um padrão mais antigo. O amor que machuca é um eco do afeto aprendido na infância, quando o carinho e afeto só vinham com condições e a presença dependia do desempenho. A mente cresceu acreditando que só merece amor quem prova ser suficiente, ou mais ainda, quem excede todas as expectativas. Assim, cada ausência reacende a velha ferida da rejeição. Amar se torna um exercício de sobrevivência emocional. A calmaria assusta, o carinho estável parece falso, e o vínculo saudável é confundido com monotonia.
    A reciprocidade não é luxo, é o mínimo onde o amor pode existir. Quando o sentimento exige um esforço unilateral, não é profundidade, é desgaste. Amar não é implorar, é encontrar-se no meio do caminho. É a soma de duas presenças inteiras, não a compensação entre carência e desinteresse. O amor verdadeiro não é a paixão que consome, mas o vínculo que permanece. Ele não precisa de mistério para ser intenso, nem de ausência para ser valorizado.
    Amar de verdade é escolher com clareza e ser escolhido na mesma medida. É estar presente sem medo, é permanecer sem disputas. Tudo que exige mendicância emocional não é amor, é autoabandono. O que é mútuo flui. O que é unilateral fere. E nenhuma beleza justifica a dor de insistir onde o afeto não é retribuído.

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