20 outubro 2025

Sobre o vício do que já acabou

    A mente tem essa tendência de idealizar na ausência. Quando sentimos que falta algo, o passado parece menos doloroso, suprimimos os momentos ruins e a dor se disfarça de saudade. O coração, ainda preso ao que um dia foi amor, tenta ver beleza no que machucou, como se a lembrança fosse capaz de substituir a realidade. Mas sentir saudade não é a mesma coisa que amar. Esse sentimento é mais um reflexo de uma dependência emocional que confunde dor com vínculo. O corpo não sente falta do que era saudável, mas sim do que era familiar, mesmo que isso tenha sido destrutivo. É um vício disfarçado de nostalgia.
    Amar não deveria custar a nossa paz. Quando um amor exige um esforço ininterrupto, insegurança e provas de merecimento, ele deixa de ser um abrigo e se torna um fardo. Muitas vezes, o que parecia ser intensidade era simplesmente ansiedade, e o que parecia ser profundidade, na verdade, era descontrole. A mente que se acostumou à incerteza fica estranha à estabilidade, e o coração, viciado nos altos e baixos de uma montanha russa emocional, teme o silêncio como se ele fosse um vazio. Mas é nesse silêncio que a cura realmente começa. Aquela calmaria que antes aterrorizava se transforma em um espaço de descanso, onde não precisamos mais lutar para sermos vistos.
    Lembrar, nesse processo, é um ato de discernimento. Recordar não significa reviver, mas sim compreender. O amor que causa dor não deve ser uma lembrança a ser guardada, mas sim uma lição a ser aprendida. A saudade que retorna em forma de dor é só o corpo pedindo que a mente aceite que acabou. O que chamávamos de amor talvez tenha sido apenas uma luta pela sobrevivência emocional. E quando conseguimos reconhecer isso, o encantamento se desfaz. O desejo de voltar se transforma no desejo de permanecer inteiro.
    A verdadeira liberdade acontece quando escolhemos a honestidade em vez da fantasia. Quando percebemos que não era amor o que estávamos tentando salvar, mas sim a nossa própria carência. Um dia, a lembrança deixa de causar saudade e passa a inspirar gratidão. Gratidão por aprendermos a não romantizar o que fere, a não confundir ausência com destino. O vazio que antes temíamos se revela como o espaço necessário para que o algo verdadeiro, que não pede dor para ser real, finalmente possa surgir.

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