A linha entre amor e conveniência se dissolve lentamente em alguns vínculos afetivos. Há relações em que a presença de alguém não nasce do desejo genuíno de partilhar a vida ou momentos, mas da necessidade ocasional e conveniente de ser amparado. Nessas situações, o outro não busca o encontro, busca o alívio. Aproxima-se quando precisa de companhia, conforto ou distração, e desaparece quando já se sente novamente estável. Essa alternância cria uma dinâmica onde um doa presença e energia, enquanto o outro apenas consome, confundindo cuidado com disponibilidade infinita.
O engano se repete porque a mente de quem ama mais acredita que insistir é nobre, que perseverança é sinônimo de profundidade emocional. Mas o afeto que exige sacrifício unilateral é apenas uma forma elegante de abandono. Cada vez que alguém atende a um chamado que não vem do amor, reforça o papel de recurso emocional, não de parceiro. Assim, o vínculo deixa de ser encontro e se torna dependência, sustentado pela esperança de que um dia o desequilíbrio se transforme em reciprocidade e a órbita em proximidade genuína.
Reconhecer esse padrão exige lucidez. É compreender que a ausência de esforço do outro também é uma resposta. Amor não se prova pelo cansaço, e a constância só tem valor quando é compartilhada. Manter-se disponível para quem aparece apenas por necessidade é uma forma silenciosa de desrespeitar a própria paz. O silêncio, nesse caso, torna-se ferramenta de cura. Ele não é frieza, é limite. É a maneira mais íntegra de interromper o ciclo de quem toma sem dar, de quem exige sem permanecer.
A maturidade emocional nasce quando se entende que amor não é recompensa por insistência, é consequência de escolha mútua. O verdadeiro afeto não faz o outro adivinhar, não exige prova, não cria confusão. Quando há reciprocidade, há clareza. Quando há desequilíbrio, há desgaste. A coragem de se retirar diante da indiferença é o gesto mais puro de amor próprio, porque encerra o jogo que se alimenta da dúvida e devolve ao coração o que ele mais precisa para florescer: a tranquilidade de ser escolhido por inteiro.
19 outubro 2025
Sobre a ilusão do "quase"
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