28 outubro 2025

Sobre o que o sentimento reflete

    Chega um momento em que o desejo de amar deixa de ser apenas uma busca e se torna um propósito. Quando tudo ao nosso redor parece mover-se rápido demais e as coisas materiais parecem passageiras, surge a vontade de construir algo junto com outra pessoa, como uma maneira de deixar uma marca. Não se trata de posse, mas sim de criar raízes em meio à incerteza. Ser parceiro é estar presente. O amor maduro não surge da pressa ou da euforia, mas do cuidado contínuo, de gestos que se repetem mas que continuam sendo verdadeiros. O dia a dia se torna o cenário mais autêntico para a expressão do afeto, porque nele não há espetáculo, apenas uma genuína conexão. A convivência revela o que os ideais costumam esconder. Mostra como o outro é um espelho que reflete não só o que se ama, mas também o que ainda está por se entender. Nenhum relacionamento profundo acontece sem esse espelho. Amar alguém significa, inevitavelmente, encarar a própria imagem e as próprias sombras.
    Muitas pessoas esperam estar completamente prontas antes de se permitir sentir. Acham que só depois de curar as feridas é que o amor se tornará possível. Mas, na verdade, é dentro do relacionamento que o processo de cura realmente começa. Quando o vínculo é vivido com atenção, ele nos força a revisitar feridas passadas e criar espaço para o crescimento.
    Amar também significa lidar com o desconforto de ser completamente visto. É suportar o reflexo do outro sem fugir do que ele revela. A entrega não elimina o medo, contudo o torna mais suportável. E é nesse equilíbrio entre vulnerabilidade e coragem que o amor encontra seu espaço fértil. No final, a lição é simples, mas difícil de colocar em prática. O amor não é um refúgio, é um caminho. Ele não promete segurança contra a dor, mas traz um sentido para enfrentá-la. O verdadeiro desafio está em estar presente, mesmo quando a magia do começo se desvanece. O tempo, quando vivido com presença, em vez de corroer o relacionamento, o fortalece.
    Construir um lar com alguém é, no fundo, um exercício de fé. Não fé no outro, mas na capacidade humana de recomeçar a cada dia, de continuar fazendo escolhas e de transformar o comum em algo sagrado. Amar é isso: permitir-se ser espelho e reflexo, sem se perder de si mesmo. É seguir em frente mesmo sem garantias, confiando que a vida, quando compartilhada, adquire uma forma mais profunda de existir.

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