01 dezembro 2025

Sobre confundir verdade com brutalidade

    Tem um tipo de narrativa que se apresenta como libertadora, como se ser brutalmente honesto fosse sinônimo de clareza emocional. Essa abordagem promete revelar verdades difíceis, mas necessárias, e se sustenta na ideia de que só o choque é capaz de abrir os olhos de quem está sofrendo. O tom é áspero, quase como uma performance, onde a autoridade parece vir da violência das palavras. Mas, se você olhar com atenção, verá que essa retórica não ilumina nada. Na verdade, só reforça a ideia de que sentir é uma fraqueza e que se afastar de qualquer nuance humana é a única maneira de evitar a dor.
    Essa visão rígida sobre o comportamento evitativo segue a mesma linha. Ela não descreve, mas simplifica as coisas. Reduz tudo a uma dicotomia de certo e errado, como se houvesse pessoas que são intrinsicamente falhas em qualquer sistema emocional. Trata a complexidade dos relacionamentos como uma falha individual e transforma os mecanismos de defesa em julgamentos morais. Esse discurso faz parecer que todo afastamento é maldade e qualquer inconsistência é manipulação, ignorando que, na maioria das vezes, esses comportamentos são sintoma de histórias internas que vêm antes de qualquer relacionamento. A agressividade disfarçada de lucidez parece oferecer segurança. Ela diz que tudo é simples, que ninguém tem profundidade o suficiente para justificar sua ambivalência, e que qualquer mudança emocional é prova de desinteresse. Essa mensagem pode aliviar temporariamente o ego machucado, porque transforma a rejeição em indignação, como se a ausência do outro eliminasse a necessidade de qualquer reflexão interna. Mas essa clareza construída sobre desprezo não promove o amadurecimento; apenas anestesia.
    O grande problema dessa visão é que ela apaga as nuances. Ignora que algumas pessoas realmente têm dificuldade em sustentar a proximidade, não por maldade, mas por mecanismos de sobrevivência emocional que foram moldados ao longo dos anos. Essa resposta brusca simplifica o sofrimento e impede uma compreensão mais profunda das próprias escolhas. Não há espaço para perguntas honestas sobre por que alguém permanece em relacionamentos que machucam, por que certos padrões se repetem, ou por que algumas ausências causam tanto desequilíbrio. O foco está sempre no outro como a fonte do caos, nunca na disposição de buscá-lo.
    Ao desprezar a linguagem emocional e tratar o vínculo afetivo como um jogo de força, esse tipo de discurso cria uma dissociação perigosa. Ele parece incentivar a autonomia, mas na verdade reforça a defensividade. Fala de independência, mas gera isolamento. Oferece força, mas estimula a rigidez. E acaba levando a uma falsa sensação de controle, como se bastasse ver o outro como descartável para finalmente se sentir inteiro. A verdade não está no tom severo ou nas conclusões absolutas. A maturidade emocional se dá justamente na capacidade de reconhecer que os vínculos são complexos, que o comportamento humano não se encaixa em rótulos simplificados, e que o sofrimento nas relações não se resolve culpando o outro, mas entendendo o próprio desejo de permanecer. A verdadeira lucidez não está na brutalidade, mas na coragem de olhar para dentro sem se deixar levar pelo ruído do ressentimento.

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