16 outubro 2025

Sobre medo e autossabotagem

    O comportamento do evitativo desorganizado é uma constante contradição entre querer amar e ter medo de ser completamente exposto. À primeira vista, pode parecer autossabotagem, mas, na verdade, há um medo profundo de intimidade, moldado por experiências da infância marcadas por instabilidade emocional. Quando o amor se torna seguro e previsível, o sistema emocional do evitativo fica em alerta, interpretando essa tranquilidade como uma ameaça. O carinho evoca lembranças inconscientes de momentos em que o vínculo significava dor, rejeição ou abandono.
    Essa dualidade aparece em gestos contraditórios: aproximação intensa seguida de um afastamento abrupto. Em um instante, há entrega e carinho e no seguinte, frieza e desconfiança. O evitativo teme tanto o abandono quanto a possibilidade de ser consumido pela relação. Por isso, ele cria um ciclo de tensão que acaba minando o que mais deseja preservar. Ele testa o outro para ver quanto amor recebe e, ao provocar distanciamento, confirma a ideia de que o amor não é confiável. Esse é um processo inconsciente que vem do medo de ser traído novamente por causa da própria vulnerabilidade.
    O que pode parecer manipulação é, na verdade, uma questão de sobrevivência. Muitos evitativos cresceram em ambientes onde o amor era incerto, ora presente, ora punitivo. Eles carregam uma crença silenciosa de que algo neles está errado ou em falta. Quando alguém demonstra um afeto verdadeiro, isso gera um conflito interno: a vontade de se entregar e o impulso de fugir. Desse modo, eles sabotam a relação antes que ela os confronte com a possibilidade de rejeição. É como queimar a ponte estando sobre ela, e antes que alguém a atravesse e os abandone.
    Apesar de parecerem frios, os evitativos desorganizados são extremamente sensíveis. Sentem tudo de forma intensa e se culpam por machucar quem amam, mas essa culpa os aprisiona em um ciclo de vergonha e afastamento. Eles buscam reparação, prometem mudar, tentam se reconectar. O porém é que sem um trabalho interno de cura, o padrão se repete. A mente deseja o que teme. O corpo reage à intimidade como se fosse um perigo. O parceiro de um evitativo desorganizado frequentemente vive uma exaustão emocional. Alterna entre ser idealizado e rejeitado, tentando entender oscilações que não provocou, e acaba sentindo que o problema é dele. No entanto, o medo não vem da relação atual, mas das memórias antigas que revive. Nenhum amor pode curar feridas que a própria pessoa se recusa a enfrentar. A cura começa quando se torna consciente desse padrão, há curiosidade sobre o medo e busca-se segurança emocional em ambientes consistentes e previsíveis.

Nenhum comentário: