28 outubro 2025

Sobre o ato de se escolher

    Amar a si mesmo nunca foi algo fácil. É um processo complicado, uma limpeza lenta de tudo que foi construído para agradar, suportar ou implorar. No início, parece um ato de autocuidado, mas, na verdade, é uma forma de enfrentar a realidade. O verdadeiro amor-próprio não se mostra em mantras otimistas ou rituais de bem-estar. Ele surge quando a mente finalmente entende que o problema não está no outro, mas sim no padrão que se repete em silêncio. Amar-se é perceber que o caos, muitas vezes, parece confortável, porque o corpo se acostumou a confundir paz com tédio e estabilidade com ameaça.
    O amor-próprio não é apenas uma afirmação de merecimento, ele é uma interrupção. É aquele momento em que você decide parar de aceitar migalhas disfarçadas de carinho. Significa não atender ligações que já custaram sua sanidade, não justificar o distanciamento, não insistir em conversas que sempre terminam no mesmo ponto. É a recusa ativa ao ciclo de autossabotagem que se disfarça de esperança. Esse tipo de amor não é gentil. Ele requer coragem para desaparecer em silêncio, para bloquear sem sentir culpa, para deixar para trás lugares que sempre foram frequentados em busca de aprovação.
    Com o tempo, você percebe que o amor-próprio está longe de ser romântico. Na verdade, é bem mais como um exorcismo. É necessário enterrar a versão de si mesmo que achava que só ser gentil seria suficiente para ser escolhido. É preciso deixar morrer a necessidade de buscar nos outros o que nunca foi encontrado em si mesmo. Esse processo é doloroso, porque desmonta a estrutura emocional que foi construída em torno da carência. Quando a paz finalmente chega, o instinto tenta sabotá-la, pois o silêncio é estranho para quem viveu em guerra. Portanto, amar-se é continuar insistindo na serenidade até que ela deixe de ser percebida como uma ameaça.
    O amor-próprio é uma forma de recuperação. Não é vaidade nem autoafirmação, mas sim um retorno à sua dignidade. É reconhecer que sua presença já é suficiente. Não se trata de se achar perfeito, mas de não aceitar mais ser tratado como o oposto. Quando essa consciência se estabelece, o amor deixa de ser uma busca e se torna uma condição. É o momento em que você finalmente entende que o prêmio nunca foi ser escolhido, mas sim aprender a permanecer inteiro, mesmo quando ninguém escolhe você.

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