30 setembro 2025

Sobre confissões de evitativos

    Uma pessoa com traços evitativos pode guardar confissões que quase nunca serão ditas em voz alta. Uma delas é a estranha sensação de que, ao amar intensamente, esse sentimento logo se transforma em desconforto ou até aversão. Não é que a pessoa em si cause repulsa, mas sim o que esse amor provoca: o receio de perder a independência e o controle. Para quem construiu sua identidade em torno da ideia de “não precisar de ninguém”, amar é se expor a um poder que não é seu, e isso gera medo. Assim, o afastamento se torna um mecanismo de defesa emocional, uma reação automática que rejeita justamente aquilo que mais desejam. Esse padrão se repete em outros contextos. Muitas vezes, pessoas evitativas não apresentam o parceiro à família não porque ele não seja importante, mas porque esse passo simboliza um compromisso, uma realidade e uma responsabilidade emocional. Para elas, intimidade não é apenas sobre estar próximo, mas um gatilho de pânico. O medo não é de que o outro seja inadequado, mas de que a relação se torne tão real que pode expor fragilidades que preferem esconder. Por isso, quando sentem que estão sendo vistos demais, optam por recuar.
No fundo, existe a crença de que não são realmente dignos de amor. Quando alguém diz “eu te amo”, em vez de enxergarem isso como uma segurança, os evitativos podem ver como um risco. Isso os leva de volta à infância, onde suas necessidades emocionais foram ignoradas ou rejeitadas. Assim, é mais seguro antecipar a dor e acabar com a relação antes de serem rejeitados. Esse medo cria um ciclo em que a vulnerabilidade vira uma ameaça, mesmo quando a conexão é verdadeira.
    Outro comportamento comum é o de testar o parceiro. Ignorar mensagens, cancelar planos ou esfriar o contato são maneiras inconscientes de verificar até onde o outro aguenta. Se o parceiro se vai, isso só confirma o medo de abandono. Se fica, surge a sensação de aprisionamento. É um jogo sem saída, porque em qualquer dos cenários a narrativa interna do evitativo se confirma: as pessoas sempre abandonam ou exigem mais do que ele pode dar. Esse mecanismo não é racional, mas uma tentativa de se proteger de dores passadas. Além disso, há a confissão de que o afastamento pode servir apenas para recuperar uma sensação de poder. Quando a relação se intensifica, a percepção de perda de controle aparece. A distância, então, traz a ilusão de autonomia e força. O evitativo quer proximidade, mas apenas se isso não ameaçar sua proteção emocional.
    Essas confissões mostram um padrão comum: o medo de se expor. Amar significa abrir-se e ser visto, e ser visto traz a possibilidade de rejeição. Para escapar da dor, criam distância e, com isso, acabam gerando o abandono que mais temem. O ciclo se repete: se aproximam, se afastam, sentem solidão e depois desejam de novo a conexão. É um movimento circular alimentado pela própria insegurança.
    Entender isso não significa que se pode “curar” ou “mudar” alguém através do amor. Não dá para convencer um evitativo de que ele merece amor se ele mesmo não acredita nisso. E também não se pode oferecer segurança a quem baseou sua identidade na negação de precisar de alguém. Essas confissões não são um guia para reconquistar alguém, mas um lembrete de que o afastamento não é sobre o valor do outro, mas sobre os medos internos de quem foge. E talvez a lição mais importante seja reconhecer que insistir em provar seu valor para quem não consegue recebê-lo é uma forma de se abandonar. O gesto mais amoroso pode ser escolher a si mesmo e romper o ciclo de provar, esperar e ser rejeitado. Pois ao soltar, podemos recuperar não só nossa dignidade, mas também a liberdade de viver relações em que a presença não é uma ameaça.

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